11 de dez de 2017
Tacianny Machado, assessora jurídica da Presidência da Fecomércio MG
No final do século 20 uma conjunção de fatores incitou a eclosão de uma crise econômica, tecnológica e organizacional, que produziu efeitos diretos no Direito do Trabalho. De um lado, a recessão econômica generalizada afetou em especial a Europa a partir da crise do petróleo de 1973. O continente não encontrou respostas eficazes em curto prazo pelas forças políticas, culminando com aumento da inflação, concorrência interempresarial e elevação das taxas de desocupação do mercado de trabalho. Do outro lado, uma série de fenômenos econômicos potencializados na década de 1980 – representados pelo avanço tecnológico, principalmente a informatização e a robotização; pela ruptura do modelo nacional em detrimento à mundialização dos mercados; e pela crescente terceirização – afetaram decisivamente a geração de novos postos de trabalho.
Aliada a isso, a globalização a partir da metade do século XX provocou uma reorganização dos tradicionais métodos produtivos. Com o rompimento das barreiras mercadológicas elevou-se a competição entre as empresas sediadas em vários países, fazendo com que a disputa por mão de obra a baixo custo determinasse as regras do mercado promovendo uma remodelação nas formas convencionais de trabalho. Assim, o debate sobre a flexibilização do regramento justrabalhista ganha evidência e passa a ser discutido por vários países. Para Francisco Andrés Valle Muñoz, “busca-se com a flexibilização do sistema de relações laborais alterar a higidez do mercado de trabalho através da desregulamentação e liberalização de normas a partir de uma intervenção mínima do Estado no âmbito normativo e administrativo”.
A reestruturação dos meios de produção e do trabalho culminou com uma preocupação sobre o futuro do trabalho. Atenta ao cenário, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) propôs em sua 104ª Conferência Internacional do Trabalho, realizada em 2015, um amplo debate junto aos Estados-membros sobre o tema. A proposta prevê um diálogo em torno de quatro perspectivas: trabalho e sociedade, organização do trabalho e produção, trabalho decente para todos e governança do trabalho.
No diálogo envolvendo o futuro do trabalho depara-se com o dilema da preservação da forma tradicional de contratação, chamado de modelo standard employment relationship. Defendido pela OIT, ele é marcado por um emprego estável realizado em tempo integral e com um salário digno. Em oposição encontram-se as novas formas de trabalho, que possuem como característica central a prestação de serviços por prazo determinado por meio de contratos atípicos celebrados perante vários empregadores dotados de flexibilidade.
Percebe-se que nas novas formas de trabalho, oriundas de flexibilização das normas trabalhistas, há o declínio gradativo da subordinação, do trabalho assalariado, da estabilidade no emprego e da pessoalidade entre empregado e empregador, elementos até então considerados como núcleo central da relação de emprego tradicional. Buscando equacionar esta complexa sistemática faz-se necessário sedimentar um Direito do Trabalho de compromisso, onde cada ator social contribua para a sua evolução de acordo com as necessidades, sem perder de vista sua essência que deve ser pautada na busca pelo equilíbrio entre a livre iniciativa e o valor social do trabalho. Cléber Lúcio de Almeida esclarece que o Direito do Trabalho pode ser considerado como um direito de compromisso, tendo em vista que, “antes de fazer prevalecer o capital sobre o trabalho ou o trabalho sobre o capital, procura harmonizar, na melhor medida possível, os seus interesses, na perspectiva da tutela e promoção da dignidade humana, da realização da justiça social e da construção da democracia”.
Nesse cenário é de suma relevância o papel das entidades sindicais. A Constituição Federal de 1988 assegura aos sindicatos, no inciso III do artigo 8º, a prerrogativa de defesa dos interesses coletivos ou individuais da categoria representada. Complementando, o inciso IV do mesmo artigo prevê que a obrigatoriedade da participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho. Trata-se de legitimidade extraordinária privativa dos sindicatos reconhecida pela Constituição.
A reforma trabalhista promovida pela Lei nº. 13.467, de 13 de julho de 2017, enaltece o papel das convenções e dos acordos coletivos de trabalho, deixando expresso que tais instrumentos detêm prevalência sobre a lei. Apesar das divergências lançadas é preciso esclarecer que a Constituição Federal já reconhecia o grande valor das convenções e dos acordos coletivos para disciplinar as relações de trabalho no Brasil. Logo, a legislação eleva o papel das entidades sindicais consignando expressamente os itens que poderão ser objeto de pactuação. Espera-se que, após decorridos mais de 25 anos da promulgação da Constituição, os atores sindicais existentes possuam amadurecimento necessário para representar efetivamente os interesses da respectiva categoria.
*Artigo publicado no jornal Estado de Minas